LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Reprovação massiva na OAB: fundamentos para um olhar prospectivo. Disponível em http://www.lfg.com.br.09 junho. 2009.
Bacharel em direito e sua profissão: o diploma de bacharel em Direito já não significa a plena garantia de emprego ou mesmo o exercício efetivo de uma profissão. O primeiro obstáculo com o qual se depara esse bacharel é o exame de ordem (da OAB) que, embora absolutamente necessário, é visto cada vez mais como o grande vilão da empregabilidade (ou profissionalização) do diplomado, que não pode nunca subscrever a visão pouco otimista (mas em certo sentido realista) de Eugênio Mohallem (brasileiro, publicitário), que disse: "Diploma universitário: aquilo que não serve para nada e ainda faz você perder a carteirinha de estudante".
De quem é a culpa? Os últimos exames da OAB estão revelando baixos índices de aprovação (cerca de 19% é a média nacional). Na prova nacional (Cespe) do dia 17.05.09 apenas 20% foram aprovados na primeira fase. Isso significa que o índice nacional final ficará em torno de 12 ou 13%. De quem é a culpa?
Formou-se em torno desse assunto um círculo vicioso: a OAB culpa as Faculdades e o MEC (fala em grande quantidade de faculdades, baixo nível de ensino, falta de comprometimento com o aluno, má remuneração dos professores etc., falta de fiscalização do MEC, que aprova uma nova faculdade todos os dias etc.); as Faculdades, por seu turno, culpam o aluno (que seria analfabeto ou de baixo nível de escolaridade, que não se interessa pelo que é ensinado, que o sistema educativo brasileiro é precário, que o consumismo é exagerado, que a televisão é um lixo etc.); o aluno, por seu turno, culpa tanto a Faculdade (baixo nível dos professores, método de ensino ultrapassado etc.) como a própria OAB (proposital dificuldade do exame de ordem, elitismo, reserva de mercado etc.) e os professores; os professores culpam as faculdades (pelos baixos salários, pela falta de incentivo etc.) assim como a OAB (que exige nas provas assuntos irrelevantes etc.) e os alunos; a mídia culpa as faculdades, estas culpam o consumismo, os "orkuts", a televisão etc. Como se vê, sempre procuramos culpar o outro (ou os outros).
Circulo virtuoso: é chegado o momento, no entanto, de não mais perguntarmos de quem é a culpa (porque todos têm sua parcela de culpa). É chegada a hora de assumir nossas responsabilidades. Somar forças para formar um círculo virtuoso: esse nos parece o caminho correto. "Cada vez que pensamos que o problema não é nosso, essa atitude é o problema" (Stephen R. Covey, americano, empresário e escritor).
"Em casa que falta pão...": parece-nos razoável afirmar que cada um dos envolvidos diretamente nessa discussão tem sua parcela de culpa. E talvez o fenômeno tenha mesmo mais culpados: as famílias, a comunidade, o poder público, as elites dirigentes, as empresas, a mídia, a internet, os parlamentos corruptos etc. Todos são cotistas da antiga tragédia educacional brasileira, que vem dificultando sobremaneira a empregabilidade do diplomado.
O exame de Ordem (da OAB)
O exame de ordem, ao qual o diplomado em direito deve se submeter para conquistar sua possibilidade de profissionalização, embora absolutamente necessário, apresenta alguns problemas. Desde logo, ainda não é um exame totalmente nacional (falta a adesão de Minas Gerais). Isso retira o caráter uniforme da prova e ainda pode permitir o desenvolvimento de uma política clientelista.
Os exames ostentam, em certas ocasiões, alto índice de discussão. A elaboração das provas, muitas vezes, peca pelo excesso ou por omissões. Muitas questões ainda são anuladas (o que revela falta de acuidade). Até mesmo erros vernaculares primários são encontrados (uma prova da OAB numa certa ocasião chegou a falar em "estrupo!", duas vezes). A correção das provas segue, em algumas oportunidades, critérios mais ou menos subjetivos.
Corporativismo, reserva de mercado, elitismo etc. são censuras correntes contras as OABs, que criticam as faculdades mas também não têm conseguido fazer com que seus integrantes sejam reconhecidos (em sua maioria) satisfatoriamente. A falta de confiança da população no advogado ainda é muito grande. Menos da metade da população (48%) confia neles (Ibope, pesquisa realizada entre 18 e 22 de agosto de 2005).
O aluno
A culpa pelo criticado ensino jurídico no Brasil, entretanto, não pode ser atribuída exclusivamente às faculdades ou às OABs.
A qualidade (o nível cultural) do aluno que chega ao curso superior é muitas vezes deplorável. As faculdades, nesse ponto, têm razão quando reclamam do nível do aluno que elas (de um modo geral) recebem.
O Brasil praticamente universalizou a educação fundamental (faixa etária de 6 a 15 anos, depois das Leis 11.114/2005 e 11.274/2006 ): 97% estão na escola. Mas é grave a situação do "antes", do "durante" e do "depois" do ensino fundamental, ou seja, do ensino infantil (até os 6 anos), dos que chegam à 8ª série e do ensino médio (faixa etária de 15 a 17 anos).
Wanda Engel afirma: "Ainda não nos conscientizamos de que uma criança não nasce aos 6 anos de idade e de que a primeira infância é o período mais importante na formação dos seres humanos. Nessa fase se formam 75% das sinapses neurológicas e se constroem os fundamentos da nossa representação simbólica do mundo" (O Estado de S. Paulo de 07.11.06, p. A2).
Impõe-se considerar, de outro lado, que apenas 57% dos alunos do ensino fundamental chegam à 8ª série. Em relação ao ensino médio, enquanto no Brasil somente 14,4% completam esse nível de estudo, na Índia o percentual é de 28,2%, na China é de 45,3%, Coréia do Sul é de 55,2%, no México é de 37%, no Chile é de 35,7%, na Argentina é de 31,1% etc. Cinco milhões de jovens brasileiros, entre 15 e 17 anos, não estão freqüentando nenhum tipo de escola. No que diz respeito à qualidade desse ensino médio, apenas 4,4% dos alunos conseguiram alcançar em matemática a média dos países da OCDE; em leitura, apenas 11%. A competitividade global do Brasil vem caindo a cada ano: de 1990 a 2004 passamos da 8ª para a 14ª posição entre as maiores economias mundiais (Wanda Engel, O Estado de S. Paulo de 07.11.06, p. A2). Mais de 50% dos adultos no Brasil são analfabetos funcionais ("Brasil, o Estado de uma Nação, Ipea, 2006).
É preciso reconhecer, de outra parte, que muitas vezes o acadêmico do ensino superior chega à universidade preparado, mas se transforma no grande responsável pelo seu insucesso educacional. Oportunidades lhe são oferecidas (ou seja: o ensino muitas vezes é bom), mas o que ele deseja mesmo é ser protagonista de uma ficção. Há alunos que durante cinco anos enganam os outros (pais, parentes etc.) e a si mesmos. A culminância do engodo acontece quando ele compra, via internet, o trabalho final de conclusão do seu curso - cf. Folha de S. Paulo de 01.07.02, p. C12. "A vida é muito mais divertida quando você não é responsável por suas ações" (Bill Waterson, americano, cartinista).
Uma vez diplomado chega a realidade, isto é, chega o dia em que ele tem que definir seu destino, sua profissão, seu futuro e, agora, não tem mais como enganar ninguém. Esse é o dia do desespero e também o dia de começar o jogo (da vida) pra valer! Não é incomum o aluno afirmar: só depois de formado é que fui estudar Direito seriamente!
Conclusão: o problema do ensino jurídico não reside só no output (na saída) do sistema, está também no imput (na entrada). O aluno vem muito mal preparado (às vezes). Freqüentemente sai da faculdade sem suprir (em sua integralidade) essa deficiência precedente.
As faculdades
No que se relaciona com as faculdades caberia, desde logo, afirmar que o problema (por incrível que pareça) não é quantitativo (já temos mais de mil faculdades de Direito aprovadas pelo MEC), senão qualitativo (qualidade do ensino). Para as carências educacionais brasileiras, são poucas as faculdades. Dizem que temos faculdades em cada quarteirão: deveriam estar presentes em cada esquina!
Quanto ao aspecto quantitativo cabe considerar o seguinte: apenas 12% da faixa etária universitária está cursando uma faculdade no Brasil. Esse percentual é muito baixo quando comparado com outros países (Argentina quase 20%, Chile 38%, Coréia do Sul mais de 60% etc.). Conclusão: temos poucos alunos nas faculdades. Conseqüência: não estamos formando mão de obra qualificada que possa aumentar a chance de empregabilidade e atender a demanda exigida pelo mercado. Comparativamente, são poucos os alunos que estão estudando no Brasil (ensino médio e nível superior).
O problema é a qualidade: no que diz respeito à qualidade do ensino jurídico no Brasil parece oportuno sublinhar que ele se acha submetido a pelo menos cinco crises que ocupam o centro da questão da empregabilidade do profissional dessa área. São elas: (a) científico-ideológica (ensino legalista do século XIX), (b) institucional (local de aprendizado efetivo), (c) metodológica (falta do e-learning), (d) pedagógica (ausência de motivação) e (e) estratégica-curricular (má formatação da grade curricular).
Crise científico-ideológica
A primeira relaciona-se com o paradigma jurídico-científico (bastante equivocado) do qual se parte. O mundo globalizado (e conseqüentemente concorrencial) exige de todos nós, na atualidade (cada vez mais), conhecer e dominar três ordenamentos jurídicos distintos, que são: o legal, o constitucional e o internacional (mais a jurisprudência interna e a internacional). O primeiro (que confundia a lei com o Direito) foi desenvolvido no século XIX (Iluminismo, Revolução francesa, códigos napoleônicos etc.). O segundo (neoconstitucionalismo) nasceu (no nosso entorno cultural europeu e latinoamericano) em 1945 (com os julgamentos de Nuremberg, que passaram a distinguir o Direito da lei). O terceiro foi criado com a Carta da ONU de 1945.
Esses três ordenamentos jurídicos, com freqüência, apresentam antagonismos que não são de fácil solução. O Estatuto de Roma (1998), que criou o Tribunal Penal Internacional (e é competente para julgar crimes macro-políticos como genocídio, crimes de guerra etc.), pode ser citado como um exemplo (dentre tantos outros) desses antagonismos e aporias. Nem todas as garantias asseguradas nas constituições internas foram contempladas no referido Estatuto que, aliás, prevê uma série de institutos totalmente conflitantes com essas Cartas Magnas (prisão perpétua, entrega do nacional, relativização da coisa julgada etc.). A prisão civil do depositário infiel é outro exemplo: cabe de acordo com os paradigmas legalista e constitucionalista e é refutada pelo modelo internacionalista (STF, RE 466.343-SP).
Nas Faculdades de Direito, entretanto, nem sempre esses distintos ordenamentos jurídicos são devidamente ensinados. Não é incomum que o estudante de direito conclua seu curso tendo apenas noções rudimentares (quando as tem) sobre a necessária articulação entre tais níveis normativos. A prioridade, no ensino jurídico, é dada para o plano da legalidade que, de acordo com o positivismo legalista (formalista), seria o único objeto da ciência jurídica.
Esse modelo kelseniano (ou positivista legalista) de ensino do Direito, consoante Ferrajoli (Derechos y garantias, Madrid: Trotta, 1999, p. 15 e ss.), confunde a vigência com a validade da lei, a democracia formal com a substancial, não ensina a verdadeira função do juiz no Estado constitucional e garantista de Direito (que deve se posicionar como garante dos direitos fundamentais), não desperta nenhum sentido crítico no jurista e, além de tudo, não evidencia com toda profundidade necessária o sistema de controle de constitucionalidade e de convencionalidade das leis.
Esse equívoco científico decorre do pensamento do Estado Moderno (século XIX), da revolução francesa, do código napoleônico, onde reside a origem da confusão entre lei e Direito; os direitos e a vida dos direitos valeriam pelo que está escrito (exclusivamente) na lei, quando o correto é reconhecer que a lei é só o ponto de partida de toda interpretação (que deve sempre ser conforme a Constituição). Deriva também da doutrina positivista legalista (Kelsen, Schmitt etc.) que entende que toda lei vigente é, automaticamente, lei válida.
A lei pode até ser, na atividade interpretativa, o ponto de chegada, mas sempre que conflita com a Carta Magna ou com um Tratado de direitos humanos perde sua relevância e primazia, porque, nesse caso, devem ter incidência (prioritária) as normas e os princípios constitucionais ou internacionais. A lei, por conseguinte, foi destronada. Mesmo porque, diferentemente do que pensava Rousseau, o legislador não é Deus e nem sempre representa a vontade geral, ao contrário, com freqüência atua em favor de interesses particulares (ou mesmo escusos).
Primeira conclusão: o ensino jurídico no terceiro milênio não pode continuar ancorado na filosofia científica (ideologicamente estatalista e legalista) dos séculos XIX e XX. O aluno tem que conhecer a perspectiva constitucional, internacional e legal de todos os problemas concretos. O positivismo-legalista está morto! Precisa ser sepultado! Do Estado legalista de Direito passou-se para o Estado constitucional, internacional e democrático de Direito. Quem não percebeu essa diferença já não pode ser reconhecido como jurista do terceiro milênio. Os parâmetros referenciais do Direito agora são cinco: a lei, a Constituição, a jurisprudência interna, os Tratados internacionais e a jurisprudência internacional (sobretudo da Corte Interamericana de Direitos Humanos).
Crise institucional
Do ponto de vista institucional a crise não é menos profunda. A Faculdade de Direito deveria ser o lugar apropriado (a instituição adequada) para o aluno aprender a pesquisar, raciocinar, compreender e, sobretudo, interpretar, argumentar e redigir (petições, recursos, arrazoados). Mas pouco se faz nesse sentido. Para além de aulas expositivas, fundadas na ideologia legalista (leis e códigos, leis e códigos...), pouca coisa mais é oferecida ao aluno. Centros de pesquisas, produção científica, publicação de artigos e livros etc.: isso deveria preocupar bastante as faculdades que, apesar do esforço que empreendem algumas, não estão conseguindo cumprir (de modo satisfatório) seu papel institucional de educar e preparar o acadêmico (suficientemente) para o exercício profissional.
A faculdade deve ensinar não o que ela pode ou o que ela está preparada para ensinar, sim, deve se esforçar para ensinar mais e mais (Fragali). Parece claramente equivocada, portanto, a política de demissão dos professores doutores ou mestres. Sob o pretexto de redução de custos, eles são os primeiros eliminados dos quadros da faculdade.
A Faculdade de Direito, em regra, tanto quanto outras faculdades, já não é o lugar onde se conquista (com certeza) uma profissão ou onde se tem garantia (plena) de emprego. Nada mais disso é totalmente verdadeiro, salvo em algumas pouquíssimas ilhas de exuberância acadêmica.
Uma antiga proposta ventilada pelo Ministério da Educação no sentido de pretender reduzir o curso de direito para três anos, com abrandamento das exigências curriculares, com certeza iria agravar a atual situação das instituições de ensino (cf. Carlos Miguel Aidar, Folha de S. Paulo de 04.07.02, p. A3).
As instituições de ensino, na atualidade, não podem transmitir ao aluno a sensação de estarem cursando uma escola de datilografia na era informacional e comunicacional. Na era digital já não se pode ensinar analogicamente! Na era informacional não se pode freqüentar uma escola de datilografia!
As faculdades não podem cumprir o papel de servir de degrau obrigatório para se conquistar o diploma. Porque ser diplomado não significa ser capacitado ou contar com habilidades que aumentem as chances de empregabilidade. Em vários Estados somente 10% dos bacharéis estão passando no exame da Ordem dos Advogados. Menos de 1% dos inscritos estão sendo aprovados nos concursos da Magistratura e do Ministério Público (cf. Folha de S. Paulo de 06.07.02, p. A2).
Segunda conclusão: durante o período acadêmico, que não é pequeno, não se pode desperdiçar tanto tempo; não se pode fazer de conta que ensina, enquanto outros fazem de conta que aprendem. Não se pode fazer de conta que se fiscaliza enquanto algumas instituições fazem de conta que são fiscalizadas, que contam com uma biblioteca atualizada etc. Quem assim procede vive uma ficção. As drásticas conseqüências de tudo isso pronto aparecem e o dia do desespero logo chega. O aluno, depois de diplomado, ao cair "na real" (!), sente-se enganado (ou percebe que enganou a si mesmo).
Crise metodológica
A terceira crise do ensino jurídico no Brasil está relacionada com a (total e absoluta) falência do método clássico de ensino, que padece de muitas anomalias.
Esse ensino vem respaldado por currículos repletos de informações, de teorias e de princípios científicos (em tese úteis e até interessantes) que no dia-a-dia da faculdade não são ministrados. E quando ministrados não são devidamente aprendidos (quando muito, decorados). E o que é aprendido (decorado) não é usado (porque não se aprende fazendo − learning doing −; aprende-se para depois saber fazer).
A velha concepção educacional é a seguinte: primeiro adquirir conhecimentos, para depois aprender a usá-los. Primeiro a sistematização de tudo, depois a problematização. Primeiro a teoria, depois a prática. Esse método de ensino está completamente ultrapassado!
Aliás, a faculdade que continua nele ancorada está com os dias contados (em termos de reputação), porque está colocando na rua toneladas de bacharéis subinformados (nada ouviram sobre coisas importantes) ou super mal-informados (ouviram falar de muitas teorias, mas pouco uso sabem fazer delas).
É o bacharel "hipo" (hipoinformado, hipocapacitado, hipo-habilitado etc.) ou "Vasa"(cf. Cláudio de Moura Castro, em VEJA de 29.05.02, p. 22, que nos recorda a seguinte passagem histórica: "O rei Gustavo Adolfo da Suécia, para defender-se de seus inimigos, decidiu criar o mais poderoso navio de guerra. Importou os melhores construtores navais, e os cofres públicos foram sangrados para produzir um barco invencível. Mas o rei o queria ainda mais invencível e mandou instalar mais um deque superior, com mais peças de artilharia. O navio, com o nome de Vasa, enfunou as velas em 1628 e, sob um vento suave, singrou a baía de Estocolmo. Mas, subitamente, apenas deixando o porto, vira e afunda. Era instável, pelo excesso de canhões e pela falta de lastro").
Professores e faculdades, na atualidade, se querem sobreviver, têm que saber desenvolver competência, que "é a capacidade do sujeito de mobilizar recursos cognitivos visando a abordar uma situação complexa" (Vasco Pedro Moretto, Justilex ano 1, n. 4, abril/2002, p. 69).
O novo método de ensino deve partir da situação complexa para em seguida escolher os meios (os conteúdos, as teorias, as leis, os princípios, as técnicas, a jurisprudência, os tratados, a constituição etc.) adequados para sua abordagem e solução. Como se vê, é preciso inverter a crença convencional de que devemos primeiro adquirir conhecimentos para depois usá-los.
A distância (abismal) entre a provecta metodologia do ensino jurídico e a realidade fica mais do que evidenciada quando vemos a artificialidade de muitos dos problemas jurídicos enfocados em salas de aula ou em concursos públicos. Aliás, já a forma bizarra e grotesca de apresentação deles (Semprônio tinha inequívoca intenção de matar Caio, que morava na Tanzânia em companhia de um bebê de proveta chamado Tício, que nasceu no mesmo dia que Mélvio...) revela o quanto se afastam da vida comum dos mortais.
Terceira conclusão: learning-doing, isto é, aprender fazendo, aprender a partir de situações concretas. Nenhum ensino pode mais pretender só transmitir informações: deve também desenvolver em cada aluno competência, que é a habilidade para enfrentar situações complexas.
Crise pedagógica
Um outro delicado problema (outra crise) do ensino jurídico reside na precaríssima formação pedagógica do professor que, ademais, em regra, é extremamente mal remunerado. De outro lado, ser juiz, advogado, procurador, promotor, delegado etc., ainda que titulado (doutor, mestre ou especialista), não significa nenhuma garantia de que seja um bom professor. Especialmente nos três primeiros anos da faculdade, ademais, tendo em conta, sobretudo, a faixa etário do acadêmico, o professor deve contar com uma especial preparação pedagógica, que possibilite mesclar ensinamento com entretenimento. "O professor medíocre descreve, o professor bom explica, o professor ótimo demonstra e o professor fora de série inspira" (William Arthur Ward, americano, escritor e pastor).
Quarta conclusão: bom professor hoje (especialmente em cursos de graduação ou de extensão universitária) é o que parte da definição de um problema concreto, reúne tudo quanto existe sobre ele (doutrina, jurisprudência, estatísticas etc.) e transmite esses seus conhecimentos com excelente pedagogia, que exige habilidade (requer muito treinamento), linguagem clara, direta, objetiva e contextualizada, direcionando-a (adequadamente) a cada público ouvinte. Além de tudo isso, ainda é fundamental administrar o controle emocional (leia-se: o professor deve estar motivado para transmitir tudo que sabe, a um aluno que deve estar motivado para aprender). A pedagogia motivacional é o centro nevrálgico do desenvolvimento educacional.
Crise estratégica-curricular
Uma quinta crise cabe ainda ser lembrada: por falta de outro nome mais adequado, estou chamando de crise estratégica-curricular. Explica-se: a grade curricular das faculdades de direito são (praticamente) todas programadas para ensinar o conteúdo demarcado em dez semestres. O erro está em não programar o último semestre para uma revisão geral de tudo que foi ministrado ao longo do curso. Durante os primeiros nove semestres do curso de direito (quatro anos e meio) muitas leis são ensinadas, enorme jurisprudência é passada etc.
Ocorre que, no Brasil, as leis mudam todo dia! De 1988 a 2009 foram mais de três milhões de normas novas (cf. blogdolfg.com.br). A jurisprudência muda a cada hora! E, agora, também ela é fonte do direito. Noções ou lições que o aluno aprendeu nos primeiros semestres foram esquecidas. Muitos conceitos não foram bem assimilados. É preciso atualizar esse aluno, mostrar o que foi mudado na lei e na jurisprudência, interna e internacional. É preciso colocá-lo a par do conteúdo dos tratados de direitos humanos etc. O décimo período da faculdade de direito tem que ser totalmente reprogramado. Ele revela o momento de atualização, de recordação, de aquisição de técnicas específicas adotadas no exame de ordem etc. Ainda são poucas (praticamente nenhuma, talvez) as faculdades que estão afinadas com essa nova estratégia-curricular. Mas "A necessidade é a mãe da invenção" [ou da reinvenção], como dizia Platão (grego, 428-347 a.C., filósofo). Ou nos reinventamos continuamente, ou perecemos! A mudança contínua deve ser a única coisa permanente (constante) em nossa vida.
Índice de empregabilidade
O Conselho Federal de Administração anunciou a ideia de verificar quantos formados em cada faculdade de administração conseguem trabalho (Folha de S. Paulo de 25.11.06, p. C10). Trata-se de uma boa iniciativa, embora não possa ser enfocada de forma absoluta. É uma ideia que deveria ser irradiada para outras áreas, incluindo-se a jurídica.
O futuro das faculdades: educação a distância e a nova onda da revolução educacional
As tradicionais escolas e faculdades, tanto quanto as velhas, burocratizadas e inchadas orquestras, jamais enfrentaram (como agora) tantas dificuldades. Muitas estão encerrando suas atividades, outras fazendo parcerias para assegurar a sobrevivência. O provecto formato de escola e de faculdade tende a desaparecer por completo (no mundo civilizado). Em pouco tempo dará lugar (aliás, já está dando) a uma nova forma de ensinar.
A nova onda educacional passa pela reformulação total da sua base pedagógica, metodológica, tecnológica, científica e institucional. A adequada pedagogia é a motivacional. A metodologia mais apropriada é a do learning doing (aprender fazendo). A mais recente aliada dessa revolução educacional ostenta natureza tecnológica: consiste na difusão do ensino telepresencial (via satélite) ou virtual (via internet) ou mesmo na combinação entre eles (ou entre eles e o ensino presencial).
Aulas ministradas via satélite com o auxílio de todos os recursos áudio-visuais, mais o complemento da internet, que configura um veículo versátil e inovador no processo educacional. Essa simbiose parece predestinada a frutificar. A internet pode, por si só, ser o veículo de uma revolução educacional. Sua aliança com a televisão (via satélite), entretanto, pode dar melhor rendimento.
Algumas vantagens do processo de aprendizagem pela internet são desde logo incontestáveis: atende o ritmo do aluno, facilita a disseminação de conhecimentos, também proporciona aprimoramento de habilidades e capacidades, permite que mais pessoas obtenham reciclagem profissional, conta com horários flexibilizados etc. E tudo isso, em regra, por um custo bem mais baixo que o ensino tradicional.
Mas o ensino pela internet ou mesmo o telepresencial, de qualquer maneira, não é só tecnologia. É também pedagogia, psicologia, comunicação social e motivação. A soma de todos esses ingredientes tende a produzir um bom produto final, sobretudo quando se consegue por meio de uma desburocratizada interatividade complementar tudo aquilo que já foi ministrado em salas de aula (via satélite, ou seja, pelo ensino telepresencial).
Salas de aula tradicionais, sem recursos áudio-visuais, e livros impressos não desaparecerão da noite para o dia. Seria um equívoco imaginar o contrário. De qualquer modo, a rapidez da internet e a otimização que proporciona o ensino telepresencial modificarão o cenário educacional em pouco tempo, nas instituições mais avançadas. Aliás, se prestarmos atenção nas experiências em andamento, tudo já está mudando.
A facilidade de conectar ao conteúdo de um curso ou de uma aula uma infinita quantidade de informações extras torna o ensino complementar pela web um meio muito atrativo de aprendizagem. A internet pode isoladamente produzir bons frutos, mas quando a ela se alia o método telepresencial, a otimização do ensino e da aprendizagem chega a índices notáveis. Por uma série de razões, o ensino exclusivamente virtual (só pela internet) vem (ainda) encontrando muita resistência. Por ora, o melhor rendimento na educação a distância parece ser resultado da conjugação da tecnologia satelitária (aulas telepresenciais) com a internet.
O ensino pela internet precisa, entretanto, antes de tudo, ser aprendido no nosso país. Não substituirá o ensino ao vivo, em tempo real, todavia, é um promissor método de aprendizagem; somado ao sistema telepresencial, pode alcançar notáveis êxitos.
Adotando-se a tecnologia correta (ensino telepresencial ou virtual ou a soma dos dois) com a metodologia adequada (learning-doing), o sucesso parece seguro. Aliás, já se constatou que quando o aluno aprende fazendo (learning-doing) o nível de retenção é de 70%. Isto é impressionante porque numa sala de aula tradicional apenas 5% da informação é retida; a leitura chega a 10% e o (mero) treinamento pelo computador alcança 20% (cf. Heron A. Sâmara, Gazeta Mercantil de 11.09.01, p. A-2). É preciso enfrentar situações da vida real enquanto se aprende. Isso incrementa sobremaneira o conhecimento e a retenção do que se aprende.
Até mesmo experts podem ter acesso a informações rápidas, seguras e sem nenhuma barreira de tempo ou de espaço. A experiência do e-learning pode ser rica em conteúdos, pode habilitar o profissional a lidar com situações novas assim como a pensar de forma mais abrangente e mais afinada com as necessidades do mundo atual, tal como a competitividade exige.
Fundamental para que tudo isso funcione adequadamente é a interatividade permanente (no mínimo, por e-mail). O aluno não pode ter a sensação (ou a percepção) de abandono ou de isolamento. Todas as suas dúvidas devem ser sanadas pelos web-tutores do curso (tutorias on line) com rapidez. A comunicação é importante. Abelardo Barbosa (o velho guerreiro "Chacrinha") já dizia: "quem não se comunica se trumbica". Hoje, quem não se comunica se exclui, se elimina.
De outro lado, já se comprovou empiricamente que o aluno não consegue normalmente ficar totalmente concentrado em uma sala de aula tradicional por mais de vinte minutos. Para superar tudo isso, só a pedagogia motivacional. No computador a concentração pode chegar até a uma hora e meia (cf. O Estado de S. Paulo de 06.05.02, p. I5). Mas isso depende muito do processo de motivação, que é muito maior (em geral) quando se trata do ensino a distância.
Do mesmo modo que nenhuma empresa de sucesso dispensa o e-learning para o treinamento de seus funcionários (e-training), nenhuma instituição de ensino pode prescindir desses novos meios de ensino. Aliás, o comprometimento com o futuro dos seus alunos exige a criação de ambientes apropriados que lhes permitam saber mais, conhecer melhor, inovar e evoluir. Só assim podem (as instituições e os alunos) obter ganhos significativos no desempenho de suas atividades.
O êxito de toda organização de ensino na atualidade está direta e proporcionalmente correlacionado com sua atuação inteligente e adequada neste cenário complexo e desafiante da era globalizada informacional. De cada cem empresas (nos EUA) que existiam no princípio do século XX, apenas quinze alcançaram o século XXI. Na era da globalização competitiva esse número tende a ser menor. Logo, ou nos adaptamos todos (empresas, instituições de ensino, professores, alunos etc.) à nova era ou perecemos! A escolha, para quem pode, fica por conta de cada um.
A combinação do ensino telepresencial com o virtual (satélite + internet) ou do ensino telepresencial mais o virtual e o presuncial (satélite + internet + professor local), como toda nova experiência, com certeza, passará por muitos aprimoramentos. De qualquer maneira, aprender o que nos interessa e conquistar novos conhecimentos e habilidades pela via digital, ainda que com alguns tropeços, é muito melhor que ser um errante analógico excluído do mundo e do mercado de trabalho.
Os riscos do ensino a distância
O ensino a distância está com seu futuro assegurado. Por meio dele é possível reunir os melhores profissionais e professores de cada área com custos significativamente otimizados. Uma única aula pode ser ministrada para milhares de alunos. Aliando-se a qualidade da aula telepresencial com a personalização de um ensino complementar pela internet (atenção especial a cada aluno, por meio de web-tutorias) chega-se a um produto de alta qualidade, com resultados surpreendentes.
Mas o ensino a distância também apresenta sérios riscos. O maior deles talvez seja empregar as modernas tecnologias para transmitir conteúdo de baixa ou péssima qualidade. Maus exemplos já se encontram disponíveis! De outro lado, a abominável mentalidade exclusivamente mercantilista, irresponsável e inconseqüente, já começa a dar sinais de vida dentro do ensino a distância, consoante denúncia de Álvaro Cardoso Gomes e Paulo Ghiraldelli Júnior, em O Estado de S. Paulo de 29.11.06, p. A2 (que mencionam expressamente a experiência de uma empresa do Paraná). Já se deflagrou o processo de popularização da "venda" de diplomas a baixo custo, o que retrata um censurável engodo educacional.
É preciso estar atento a tudo isso. Não podemos conceber o ensino a distância como a fábrica de diplomas da "era digital".
Conclusões
Parece incorreto afirmar que a culpa do insucesso educacional e profissional do diplomado na área jurídica seja exclusiva do MEC, das Faculdades, do aluno, dos professores ou da própria OAB. A reduzida empregabilidade (e profissionalização) nesse setor é plurifatorial e conta com vários culpados. Mas falar em culpados significa olhar o passado (ou seja: significa um olhar retrospectivo). A questão da empregabilidade, entretanto, exige uma visão prospectiva, que conduza indefectivelmente a afirmar que investir seriamente em educação (na própria ou na de toda população de um país) é a estratégia mais inteligente que se pode adotar.
Pesquisa do Ibope de novembro de 2006 revela que a educação, para os escolarizados, é a quinta preocupação do brasileiro; para os de baixa escolaridade essa preocupação ocupa a sétima posição (Saúde, Emprego, Fome/Miséria, Segurança, Corrupção e Drogas são as anteriores). Os que mais precisam da Educação são os que menos se preocupam com ela! Apesar da revelação do Ibope, é preciso insistir: nenhum país pode prosperar sem educação! "O que a escultura é para o bloco de mármore, a educação é para o espírito" (Joseph Addison, inglês, 1672-1719, poeta e dramaturgo). E "Se você acha que a educação é cara, tente a ignorância" (Derek Bok, americano, 1930-, professor e escritor).