Pior resultado da história não tira valor do Exame, afirmam especialistas
O resultado do primeiro Exame de Ordem Unificado no Estado de São Paulo, divulgado na última terça-feira (26/5), apresentou o pior índice de aprovação de sua história: de 18.925 candidatos inscritos, somente 2.233 (12%) foram selecionados para a próxima fase. Apesar do resultado negativo, especialistas entrevistados por Última Instância ainda acreditam na relevância do processo para selecionar os profissionais que estão prontos para enfrentar o mercado de trabalho e consideram um erro a movimentação no Congresso para extinguir a prova.
De acordo com o presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-SP, Braz Martins Neto, "seria uma irresponsabilidade do legislador pretender revogar o Exame de Ordem". Para ele, "o resultado pífio, para não dizer vergonhoso, decorre da mercantilização do ensino jurídico por instituições de ensino que privilegiam o lucro e não a formação superior".
"Não há um Estado na federação que tenha alcançado um desempenho notável, com algumas exceções, como Ceará, Sergipe. Mas você vai verificar que nos 26 Estados da federação, vinte deles foram pontuados com menos de 20%", continuou. "Isso é desastroso, principalmente considerando que é apenas a primeira fase. Tem ainda um segundo momento em que nós vamos ter um número de reprovados que poderá ser da ordem dos 50%, 60%. Ou seja, no resultado final para o Estado de São Paulo de cada 100 candidatos, apenas cinco serão aprovados".
Marcelo Cometti, coordenador do curso preparatório para a OAB do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, teme a extinção da prova. Para ele, é necessário selecionar os estudantes mais bem preparados, para que o mercado não receba "uma pessoa que é formada, bacharel em direito, mas que não tem condições de entender aquilo que lê, aquilo que estuda", referindo-se ao problema de analfabetismo funcional que, mesmo em minoria, acaba atingindo uma parte dos graduandos, devido à imensa oferta de vagas no Estado.
Luis Flávio Gomes, ex-juiz, especialista em direito penal e responsável pela Rede de Ensino LFG, também valoriza o Exame e enfatizou: "Esse movimento que está no Senado brasileiro para acabar com o exame é um grande erro". Gomes ainda reiterou a necessidade de estender a prática de seleção a outras profissões. "Estão querendo fazer isso agora para medicina e eu acho muito acertado, muito correto, porque tem de se selecionar os melhores, os que estão mais preparados".
O Exame da Ordem deste ano trouxe algumas mudanças para os candidatos do Estado; pela primeira vez, a Seccional Paulista da OAB participou da unificação, proposta para que se obtenha uma visão mais global a respeito do ensino superior jurídico no país. Segundo Braz Martins, "o exame é o mesmo, a entidade aplicadora é a mesma, aqueles que propõem as questões são os mesmos, os revisores são os mesmos" e, portanto, o problema não foram as questões.
Já para Luis Flávio Gomes, os alunos que não buscaram apoio enfrentaram dificuldades. "A prova da Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos) exige muito conhecimento de jurisprudência, do STJ e do Supremo", ao passo que, para realizar a prova anterior "bastava conhecer os textos legais", sintetizou.
O coordenador de ensino jurídico, Cometti, analisou a prova como um exercício que "exigiu muito mais do candidato uma capacidade de interpretação, de compreensão, do que mesmo uma capacidade técnica relativa à matéria". Como educador, ele verificou, "até comentando com outros colegas professores, que a prova não foi difícil; na verdade, aquele aluno que simplesmente entende que se decorar o texto de lei ele vai conseguir responder a uma questão da OAB, ele não consegue".
Segundo ele, a preparação do aluno deve englobar o estudo da teoria, mas que, "além das leituras, do texto legal, da doutrina, ele busque também resolver testes, para simular sua preparação para esse próximo exame".
Braz Martins ressaltou que "houve um péssimo desempenho, ms, ao mesmo tempo, as boas faculdades mantiveram os índices absolutamente dentro dos padrões que elas sempre tiveram, seja com a Universidade de São Paulo, seja com o Mackenzie, a Pontifícia Universidade Católica", reiterando a "responsável necessidade de se manter o Exame de Ordem".
O penalista Luis Flávio Gomes assegurou que, fora o problema já detectado no ensino, "outro problema está no próprio aluno, que durante a faculdade não está muito preocupado com esse Exame e não se esforça tanto". Ele também pontuou que "o ensino no Brasil é muito legalista, em cima dos códigos, e na prova cai muito tema de direito constitucional e de direito internacional -coisa que os alunos praticamente não veem nas aulas".
Os candidatos não aprovados têm o direito de recorrer à Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB SP, por meio do Sistema Eletrônico de Interposição de Recurso, no site http://www.oabsp.org.br/, até três dias úteis depois da divulgação do resultado. De acordo com Gomes, a defasagem no ensino de direito moderno e atual é um problema e "os alunos vão recorrer. Nós estamos achando que de cinco a dez questões podem ser anuladas, é uma possibilidade", concluiu. A divulgação dos nomes, após a interposição de recurso, assim como a convocação para a prova prático-profissional de todos os aprovados na prova objetiva, acontecerá no dia 17 de junho.
A próxima fase será aplicada no dia 28 de junho, a partir das 14h, e inclui redação de peça jurídica e de cinco questões práticas. A nota mínima para aprovação é seis. Segundo Braz Martins, as novas frentes de especialidade incluídas no Exame -direito administrativo, constitucional e empresarial -representam "uma tendência ao contrário, de melhorar a performance dos candidatos" que poderão escolher a disciplina conforme a sua formação, priorizando a opção em que se sai melhor.
Autor: Daniella Dolme
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